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terça-feira, 9 de junho de 2020

A HISTÓRIA DO SAPO BARBUDO


Editado conforme novo
Acordo Ortográfico







lustração:
Lucas Leal Bosi

Revisão:
J. Bianchi

Edição: 09/2018



N O T A :

Esta é uma história educativa, daquelas que as mães leem, para os filhos, quando eles se deitam para dormir.
Porém, além da história normal do livro, ocorre, em paralelo, um diálogo amigável entre mãe e filho, fazendo com que os dois participem, também, como personagens ativos na aventura.
Esse efeito tem por objetivo, transferir a narrativa da ficção para a realidade que se desenvolve dentro do quarto. Assim todos participam e, quiçá, até interajam nos acontecimentos da história, caso ocorra, por livre e espontânea vontade, ou mesmo provocado, outro diálogo entre a pessoa que lê e a criança que escuta...



A História do Sapo Barbudo.

- Essa história começa como todas as outras, filho – diz a mãe pegando o livro sobre a escrivaninha.
- Leia para mim, mãe pede Joaquim, após ter feito a sua oração.
- Qual é a maneira correta de se pedir, filho?insinua a mãe, delicadamente.
Joaquim pensa um pouco e descobre sozinho.
Por favor, mãe... desculpe, esqueci – sussurra Joaquim no ouvido de sua mãe.
- Ah, bom, filho!... Assim que se fala. Aprenda a ser uma pessoa bem-educada. Agora preste atenção na história.


Era uma vez... um sapo barbudo chamado Bufo, mas os seus amigos o apelidaram de: Bufão.

- Ih!... Esse pessoal adora colocar apelido nos outros! - reclama Joaquim. - No colégio me chamam de Quinzinho.
- Você não deve se importar, filho... Afinal é apenas uma forma carinhosa de tratamento. O que não pode é inventar um apelido ofensivo. Quer que eu leia a história ou não? - Pergunta a mãe.
- Quero sim, quero sim. - Insiste Joaquim.
- Filho, como é que se pede?
Joaquim rápido:
- Por favor, mãe. Por favor.

Desde que nasceu, Bufão desconfiava possuir alguma coisa diferente de todos os seus amiguinhos, pois seu rosto era muito aveludado.
Seus pais, preocupados com a sua educação, logo que ele atingiu a idade escolar, matricularam-no no colégio perto da foz do rio.
Em casa, reforçavam seu aprendizado com bons exemplos e ensinavam-lhe que jamais deveria mentir.
Bufo - dizia sua mãe -, a pessoa que mente, carrega o peso da mentira por toda a sua vida e quando é descoberta, ninguém mais acredita nela.
Bufão estudou bastante e brincou muito com seus amigos. Ele era o sapo mais conhecido, admirado e amado da região porque tratava bem todos os seus colegas.
Coaxar nas madrugadas de...

Coaxar!? – Interrompe Joaquim. - O que é isso, mãe? Pergunta curioso e com um sorriso debochado.
Ah, filho! Coaxar é o barulho que os sapos emitem... É mais ou menos assim: croc croc ploc...
Joaquim solta uma gargalhada de orelha a orelha, pois sua mãe imita muito mal o som do sapo. Por um segundo, ela pensa em repreendê-lo, mas vê que o filho está se divertindo e releva com todo o amor de mãe.
- Como é mesmo, mãe? Repete... Por favor! - Pede Joaquim, rolando na cama de um lado para o outro, rindo sem parar.
A mãe decide entrar na brincadeira e reproduz o som mais forte e pausado:
- Croc... croc... ploc...
Desta vez riram-se os dois, à vontade, por um longo tempo; porque quando os olhares se cruzavam, o riso espontâneo voltava incontrolável.
- Ufa!...Chega! Só você para me fazer rir tanto assim, filho. - Suspira a mãe e pergunta, enxugando as lágrimas de alegria que corriam pelo seu rosto. - Quer que eu continue a história?
- Por favor, mãe. Quero muuuito.


Coaxar nas madrugadas de lua cheia era a brincadeira que todos os sapos gostavam de participar.
Bufão passou a sua infância morando com os seus pais, numa vasta área desabitada, rica em água, árvores e plantas; nos arredores da Lagoa da Pedra Macia.

- Pedra Macia, mãe?!... Existe isso? Pergunta com espanto Joaquim.
- Calma, Joaquim! A história está só no começo, até chegarmos ao final veremos que tudo tem explicação - comenta confiante a mãe; e prossegue:

De fato... a pedra era muito macia.
E sabe por quê?

A mãe, não fazendo a menor ideia de qual seria a resposta para esta pergunta, aproveita a inquietação do filho e faz com que ele participe do enredo.
- Olha aí, Joaquim... a história está lhe perguntando se você sabe por que a pedra era macia?
- Ah, mãe!... não sei não. Até hoje eu só peguei em pedra muuuito dura!
- Então vamos ler para descobrir por que essa pedra é chamada de macia.

E sabe por quê?
Porque a pedra ficava sempre coberta de um limo verdinho, molhado e felpudo. Assim, Bufão podia dar saltos enormes para o alto e cair sobre ela sem se machucar.

- Ah, bom!!... - Exclama Joaquim. - Poxa mãe, que legal!... Deve ser bom ser sapo... Ter uma família e poder pular bem longe... Mergulhar... Coaxar na madrugada... – Joaquim olha para a mãe e dá um sorriso. - Dormir escondidinho nas folhas do brejo. Será que a mãe de Bufão conta histórias para ele dormir também?
- Deve contar Joaquim; toda mãe conta. Mas agora escute a história.

Bufão gostava de se apresentar para os seus amiguinhos na Lagoa da Pedra Macia, pois só ele conseguia saltar além das folhas mais altas do tabual. Quando voltava do salto e batia no limo fofo, esparramava água para todos os lados. Isso fazia dele um herói. Desfilava todo orgulhoso e era aplaudido pelos seus amigos. Bufão pensou que passaria toda a sua vida ali, afinal... ali ele era feliz, aliás, muito feliz... e isso lhe bastava.


Se eu fosse o Bufão também não saía daquela lagoa por nada - diz Joaquim puxando o cobertor para perto do pescoço, se protegendo do frio.
- Mas assim como nós temos as nossas tarefas, creio que cada sapo também tenha um dever a cumprir na lagoa. Ninguém pode fazer, sempre, tudo o que quer - respondeu a mãe precavida.

O tempo passou rápido na Lagoa da Pedra Macia e quando Bufão se deu conta, já era um jovem saparrão. Assim como todos os seus amigos, ele também precisou planejar o seu caminho. Arrumou sua trouxa e partiu em busca do futuro.

- Ora, mãe... se ele era feliz na lagoa, por que precisou sair?
- Às vezes, Joaquim, onde moramos não existem as condições necessárias para que aprendamos mais... Ou a lagoa era pequena para todos viverem nela. Também quando crescemos nossos desejos são outros. Temos sonhos e o direito de fazermos as nossas escolhas. Queremos descobrir novos mundos. Uns querem partir para o desconhecido... Mas tudo deve ser decidido com muita responsabilidade. Talvez isso tenha acontecido com Bufão e ele decidiu partir.
- Não gostei nem um pouquinho disso, ele se afastou de quem gostava! fez bico feio Joaquim. - Mas leia mãe, por favor.

Bufão conheceu novas lagoas, novos brejos, fez até novos amigos que o admiravam, mas nada lhe interessava. Não conseguia ser feliz como fora na Lagoa da Pedra Macia.

- Não disse, mãe! - Exclama Joaquim. - Bufão já deve estar muuuito arrependido... Acho que ele vai voltar para a Lagoa da Pedra Macia logo, logo.
- Calma, Joaquim, presta atenção na história.

Foi quando, num momento de muita tristeza, Bufão olhou-se atentamente no reflexo da água de um rio. Tomou um susto. Percebeu que ele era realmente diferente de todos os sapos que conhecia, possuía alguma coisa extra, pois começava a crescer, em seu rosto, uma espessa barba.


- Ah!... Então é por isso que é: A História do Sapo Barbudo, mãe!... - Descobre Joaquim de olhos acesos.
- Creio que sim - concorda a mãe, radiante pela esperteza do filho.

Bufão achou que a barba era um defeito muito grave, pois nenhum de seus amigos tinha barba. Com vergonha, escondeu-se numa lagoa afastada, suja, escura e deserta. Agora que não podia nem pensar em retornar para a Lagoa da Pedra Macia, pois com essa barba, desconfiava que seria enxotado de lá.
- “Ainda bem que saí antes, não dei essa tristeza para meus pais.” – Pensou Bufão choramingando entre as folhas.

- Credo, mãe! Coitado do Bufão!... Nem voltar pra casa ele pode! – Joaquim pensa e lamenta coçando o queixo: - Mas sapo, realmente, não tem barba.
- Esse da nossa história tem, Joaquim.
- Ora, mãe diz Joaquim empolgado- Achei a solução! É só ele ir ao barbeiro e pronto!... Raspa tudo... Fica igual aos outros sapos e ninguém vai chateá-lo!... – Joaquim desanima da empolgação e investiga meio desconfiado. - Ou não tem barbearia no brejo, mãe?
- Acho que não tem, Joaquim. Vamos ler mais um pouco para ver o que acontece?

Joaquim, preocupado com o destino de Bufão, faz um sinal afirmativo, de leve, com a cabeça e a mãe continua.

Os amigos de Bufão sentiram logo a sua falta e saíram todos a sua procura. Gritavam no meio da mata:
- Bufão...! Bufão...! Onde está você...!
E aguardavam em silêncio, torcendo para ouvirem uma resposta, mesmo que viesse sumida na distância da floresta.
Só que Bufão estava muito bem escondido e ficou ouvindo os gritos dos que o procuravam insistentemente.
Isso se repetiu um dia, dois dias, três dias e no quarto dia de busca, Bufão ouviu alguém, no meio de um grupo de sapos, se lamentando:
- Que pena... perdemos um ótimo amigo. Deve ter ocorrido um acidente trágico com Bufão, ele não nos abandonaria sem se despedir.
- Com certeza – garantiu quem estava ao seu lado.
- Bufão sempre avisava quando saía – confirmou um idoso.
- Acho que uma cobra enorme o pegou - choramingou outro sem esperanças.
- Não veremos mais aquela cara alegre, cheia de vida... Isso sem contar que ele possuía uma linda barba. Eu queria tanto ter um barbarrão daquele! - comenta um tristonho.
- Eu também - concorda alguém desalentado.
- Quem me dera eu... ter apenas uma barbicha fina - suspira outro, abatido, sentado num tronco.
Bufão, ouvindo aquilo, ficou chateado; não sabia o que fazer. Como iria justificar a sua ausência? Que desculpa inventaria?... Pensou... pensou e concluiu:
- "Não preciso inventar façanha nenhuma, eles gostam de mim como eu sou. Como dizia minha mãe; não devo mentir para ninguém, e sim, contar a verdade."


- Agora Bufão tomou a decisão certa, não foi mãe? - Pergunta Joaquim.
- Foi, filho. Para que inventar uma mentira se a verdade já está pronta?
- Bufão é sabido, não é mãe?
- Claro que sim, filho.
- Continue mãe, por favor.

Bufão, vendo que todos os seus amigos lamentavam o seu sumiço; saiu de seu esconderijo.
A surpresa foi geral. Quando o viram, derramaram as perguntas bisbilhoteiras:
- Onde você andou?
- Como você escapou da cobra venenosa?
- Você lutou quantos dias com ela?
- Qual o tamanho da cobra?
Outros elogiavam com certa dose de inveja, demonstrando emoção nas palavras:
- Que aventura você não deve ter vivido, meu amigo!
- Você é o cara mais corajoso que conhecemos!

- Ih! Mãe...! Não sei não!... Depois de tantos elogios, se Bufão for vaidoso, acho que ele vai caprichar numa mentirinha e tirar proveito.
- Não creio, filho. Os pais dele pediam sempre para que ele nunca mentisse. Lembra?
- Lembro; porém os amigos encheram muuuito a bola dele. Agora ele está se achando o máximo.
- Mas um filho obediente segue sempre os conselhos dos pais, e nunca se deixa levar pelo entusiasmo do momento, nem por aquilo que os outros dizem. Vamos continuar a leitura.

Logo Bufão percebeu que seus amigos o admiravam e perguntavam coisas que ele não havia passado. Esperou os questionamentos acabarem e antes de falar, limpou a garganta, engoliu o orgulho e, cabisbaixo, confessou:
- Primeiro quero me desculpar perante todos vocês. Eu não sou um herói, não lutei... nem fui atacado por nenhuma cobra. Eu me retirei porque descobri que havia adquirido esta barba. Achei que fosse um grande defeito... E que vocês iriam caçoar e rir de mim.
O mais velho do grupo, presenciando a sinceridade de Bufão, se aproximou dele e revelou:
- Caro amigo Bufão, eu gostaria de ostentar uma barba desse porte, mas em mim não nasceu nem um fiozinho de cabelo. Olha o meu rosto, Bufão... Passa a mão... Que vergonha!... Lisinho, lisinho.
- Vamos voltar para casa e dar a boa notícia! – gritou um animado.

Mãe, quer dizer que Bufão ficou com vergonha da barba e descobriu que o amigo dele também tinha vergonha porque não possuía nem um fiozinho no rosto? - Pergunta Joaquim direto.
- É filho, às vezes, o que pode parecer defeito para uns, é virtude para outros. Nós somos completamente diferentes, no entanto, num ponto devemos ser iguais: cada um deve cumprir sua obrigação com honestidade e respeito ao próximo... Vamos ler mais para ver o que acontece.

Bufão começou a gostar e a cuidar de sua barba, que agora já arrastava quase no chão. Fez tanta fama com ela que foi convidado a se apresentar em circos e teatros famosos. Fazia shows para sapos, sapinhos e saparrões. Contava a sua história desde a Lagoa da Pedra Macia até aparecerem os primeiros fios de sua invejável barba. Em todos os lugares os espectadores queriam tocar em sua barba consistente, e era sempre muito aplaudido.
Bufão, agora conhecido como: “o sapo barbudo” - lembrou-se dos aplausos que recebia quando ainda era criança e saltava na Lagoa da Pedra Macia. Sentiu saudades daquele tempo. Porém, passou a gostar da vida de sucesso. Nascera para encantar os outros.
Bufão acrescentara aos seus espetáculos, uma rede elástica e executava seus saltos acrobáticos, piruetas e cambalhotas que deixavam os assistentes de olhos esbugalhados. Bufão voltou a ser feliz, aliás, muito feliz... e isso lhe bastava.
Só então Bufão percebeu que sua barba não era um defeito e sim, uma grande virtude.

- Bem que a senhora disse, não é mãe? - Interrompe Joaquim.
- É, filho, geralmente é assim que acontece conosco. Às vezes, ficamos impressionados com coisas até sem importância. Mas nós podemos auxiliar um amigo... agindo como os amigos de Bufão... mostrando-lhe as suas virtudes.
- Leia mais, mãe, por favor.

Bufão - “o sapo barbudo” – quando se apresentava em um teatro de uma lagoa distante, conheceu uma linda jovem sapa e após um bom tempo de namoro... se casaram. Tiveram dois filhos, que como ele, quando cresceram, ganharam o mundo à procura de seus futuros.
Bufão envelheceu. E mesmo sendo constantemente chamado para fazer shows; começou a sentir muita saudade da Lagoa da Pedra Macia. Queria revê-la. Repetir seus saltos sobre ela. Passar lá seus últimos dias.

- Nossa, mãe!... A história deu um salto muuuito longo... mais longo que o do Bufão - brinca Joaquim.
- É, filho, mas acho que foi de propósito, pois a nossa vida também é assim. Quando menos esperamos... Pôu!!... Já estamos crescidos... Amadurecidos... Velhos. E você... Olha! A sua barba está quase do tamanho da barba do Bufão!
- Eheehehe!... Mãe... Vai demorar muuuito tempo... Um montão assim para esse dia chegar – gesticulou Joaquim abrindo os braços o mais que podia.
- Quando esse dia chegar, você vai entender o que eu estou dizendo hoje. Mas voltemos à história, Joaquim.

Bufão chamou a velha esposa. Conversaram muito. Ele contou todas as suas aventuras na Lagoa da Pedra Macia. A esposa, encantada e com vontade de conhecer a tal “pedra macia”, não teve dúvidas; aceitou a proposta do marido. Fizeram as trouxas e partiram muito mais felizes ainda, a cantar um dueto:

A mãe de Joaquim, ao ver as estrofes, começa a cantarolar, de improviso, uma melodia:


Feliz aquele que consegue na vida,
Regressar ao lugar em que nasceu.
Pular novamente sobre as folhas,
Mostrar aos amigos o que aprendeu.

Eu canto assim, eu canto assim.
Sou feliz com você perto de mim.
Eu canto assim, eu canto assim.
Sou feliz com você perto de mim.

Cada noite que passo ao seu lado,
Eu sinto o meu amor só aumentar.
Juro, o mundo inteirinho não vale,
Um só brilho do seu meigo olhar.

Eu canto assim, eu canto assim.
Sou feliz com você perto de mim.
Eu canto assim, eu canto assim.
Sou feliz com você perto de mim.

Como é bom deitar numa cama,
Sob um cobertor bem cheiroso.
Dormir recostado em seu ombro.
Sentindo esse calor carinhoso.

Eu canto assim, eu canto assim.
Sou feliz com você perto de mim.
Eu canto assim, eu canto assim.
Sou feliz com você perto de mim.


- Mãe, sapo eu sei que a senhora não sabe imitar, mas cantar!... Como a senhora canta bem, mãe...! - Elogia Joaquim, feliz da vida, ao ouvir a voz suave da mãe.
- Não sou eu que canto bem, filho, são seus ouvidos que me escutam com muito amor.
Joaquim olha com ternura para sua mãe e lhe dá um doce beijo. A mãe sente um afago bom no coração. Sorri carinhosamente, agradece com meiguice e retribui o beijo. Joaquim se ajeita mais na cama e pede:
- Continue, mãe, por favor.

O feliz casal chegou à Lagoa da Pedra Macia quando o dia ainda amanhecia.
Bufão ficou observando a lagoa de longe e se sentiu criança... saltando para o alto e se atirando sobre a pedra macia. Precisava repetir esse ato que realizara milhares de vezes.
Atirou-se nas águas da lagoa. Subiu na pedra. Ela parecia ainda mais macia que outrora, tão fofa que seus pés quase não sentiam que pisavam nela. Bufão preparou-se para o salto.
- "O mais alto de todos" - pensou Bufão sorrindo de felicidade.
Saltou bem alto, acima das plantas que cercavam a lagoa e avistou uma casa que antes não existia ali. A novidade não poderia estragar seu saudoso salto. Voltou e espojou-se na pedra macia fazendo a água espirrar para todos os lados.

Joaquim não segurou a curiosidade:
- Mãe, já tem gente morando perto da Lagoa da Pedra Macia?
- Creio que sim, filho. O crescimento populacional vai invadindo os morros, as matas, as beiras dos rios e as lagoas... também.
- Isso é ruim, não é mãe? - Pergunta Joaquim meio triste.
- É, filho, mas o que o ser humano deve fazer é procurar viver em harmonia com a natureza. Tirar dela o seu sustento sem destruí-la.
- É. Espero que quem veio morar perto da lagoa pense igual a senhora, senão Bufão está perdido. Leia mãe, por favor.


Bufão, ao bater na pedra macia, reparou que muitos olhos assustados, por debaixo das folhas, o observavam. Ficou temeroso que alguma mudança maior tivesse ocorrido em sua ausência.
Chamou a esposa, disfarçadamente, para perto dele e avisou para que ela se preparasse para uma fuga apressada, caso aqueles olhos curiosos não se revelassem em rostos sorridentes.
Porém, a surpresa maior foi de Bufão, que viu sair por debaixo das folhas, alguns de seus amigos de infância, seus irmãos e seus velhos pais, que vieram numa algazarra festiva lhe abraçar. Amontoaram-se todos sobre ele.
- Quase que não o reconhecemos, Bufão - folgou um.
- Também... com esse magnífico barbarrão! - Exclamou outro.
As perguntas voltaram a chover em seus ouvidos.
- Por que demorou tanto em regressar, filho? – Reclamou a mãe.
- Todos nós sentimos saudades de você! – Confessou o pai.
- Conta por onde andou? – Pediu um dos irmãos.
- Essa é a sua esposa? – Perguntou um abelhudo.
- E seus filhos, não vieram? – Questionou outro.
Todos queriam saber as novidades que Bufão estava trazendo, porém ele se mostrava mais preocupado com o que vira lá do alto: a nova casa na beira da lagoa.
Quando todos pensavam que Bufão iria contar suas proezas, ele desatou:
- Primeiro quero saber o que vocês descobriram sobre os moradores daquela casa.
- Ah, não precisa se preocupar, Bufão... Lá reside um casal com dois filhos: um menino e uma menina. Já tomaram banho aqui e nós ouvimos a conversa deles. Disseram que vão preservar a lagoa e a mata da nascente, porque senão seus filhos não poderão tomar banho aqui no futuro. Estamos garantidos, Bufão!


- Puxa mãe, a senhora acerta tudo! - Diz Joaquim satisfeito.
- Não, filho, eu não adivinho; apenas digo o que é lógico. Não podemos destruir a natureza, pois dependemos dela para tudo... Se ela morrer chegaremos à extinção!
- Mãe, sapo entende o que a gente fala?
- Acho que sim, filho. Se não entende... pelo menos sente o que fazemos.
- Acho que novamente a senhora tem razão, mãe. Leia mãe, por favor.


Bufão, o sapo barbudo, com toda a sua experiência, começou ensinando aos batráquios tudo o que aprendera fora daquela lagoa. Contava a sua longa aventura com um capítulo especial para a sua barba, que, antes do sucesso, lhe causara um grande embaraço. Terminava sua narrativa dizendo sempre:
- Na vida, todos nascem com um dom... A nós só cabe a tarefa de descobrirmos qual é... para sermos felizes ... aliás, muito felizes, ou melhor, felicíssimos.


F I M


- Fim? Já, mãe? – Indaga Joaquim.
- Sim. Fim, Joaquim, acabou a história! Bufão voltou para a casa dele, encontrou os seus familiares, os seus amigos e vai passar o resto de seus dias na Lagoa da Pedra Macia...! - A mãe cantarola: E já é hora de criança dormir.
- O que é dom, mãe? - Pergunta Joaquim intrigado.
- Dom, meu filho, é uma qualidade natural... Uma habilidade que nos permite realizar um serviço com facilidade e prazer.
- Acho que eu não tenho dom, mãe – lamenta-se Joaquim.
- Não diga isso, filho! Todos nós nascemos com um dom. Não foi esse o recado que Bufão deixou no final da história?
- Foi. Mas como vou descobrir qual é o meu, mãe?
- Não se preocupe com isso agora. Você é uma criança ainda. Lembra que Bufão pensava que a barba dele era um grande defeito?
- Lembro, sim... Mas não era o dom dele. O dom dele era saltar alto.
- Isso ocorre também com as pessoas, filho. Só depois que Bufão deixou de se preocupar com a barba, é que descobriu que saltar e se apresentar para os outros, era o seu dom; tanto que voltou a ser feliz, aliás, muuuito feliz. – Explicou a mãe imitando Joaquim.- Hoje você pensa que não tem dom e um belo dia... de repente: croc croc ploc... descobre qual é.
- É mesmo, mãe. Agora vou dormir. Boa-noite, mãe. Obrigado por ter lido A História do Sapo Barbudo para mim.
Joaquim dá um beijo carinhoso em sua mãe e se prepara para mais uma noite de sono tranquilo.
- Boa-noite, filho. Durma bem.
A mãe faz uma oração silenciosa, acaricia o cabelo de Joaquim, lhe dá um beijo repleto de amor, apaga a luz e se retira do quarto.


Joaquim adormece e começa a sonhar com Bufão e a Lagoa da Pedra Macia...
Mas essa já é outra história, que você pode escrevê-la no futuro...!
Quem sabe não será esse o seu dom?


F I M 2